Some people think football is a matter of life and death. I assure you, it's much more serious than that.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Especial NBA - Jerry West e Oscar Robertson





Pra quem não sabe que Especial é esse e pra que ele serve, leiam esse post antes.
Posts anteriores: Bill Russell e Wilt Chamberlain

Jerry West (Los Angeles Lakers, 1971)
Oscar Robertson (Milwaukee Bucks, 1971)


No último post do Especial, falamos um pouco sobre as mudanças que acompanharam a entrada de Bill Russell e Elgin Baylor na Liga no final dos anos 50, e prosseguimos falando da dominação do Celtics na década de 60, inclusive a rivalidade entre Russell e Wilt Chamberlain. Esse post terminou com o título do Lakers de 1972 (time do Wilt), mas temos dois anos para preencher: 1970 e 1971. E é justamente pra preencher esses dois anos que temos os times de Jerry West e Oscar Robertson, que estão em times da mesma temporada, 1970-71.

West e Oscar estavam numa situação muito parecida em 1971: Os dois melhores guards pré-Merger estavam um pouco passados do seu auge (West estava menos), ainda eram dois jogadores muito acima do resto da Liga, duas das estrelas que mais enchiam ginásios, e ambos ainda estavam em busca do seu primeiro título. A grande diferença entre Oscar e West, no entanto, foi o caminho que os dois trilharam na NBA, em geral por coisas além do seu controle. O que pode ficar evidenciado pelo fato de que West era o astro do time que o Draftou, o Lakers, enquanto que Oscar era apenas o segundo melhor jogador depois de ter sido trocado para o Bucks pelo Cincinnati Royals, time onde fez a maior parte da sua carreira.

Pra podermos entender o caminho de Oscar na NBA e porque ele acabou sendo trocado mesmo sendo um dos melhores jogadores Pre-Merger e não estando tão passado assim do seu auge, precisamos entender o que ele passou durante sua vida, e pra isso vamos precisar tocar num assunto que eu comentei no post anterior, mas não me aprofundei. Mas porque não deixamos o próprio Big O explicar, nas palavras finais da sua autobiografia The Big O: My Life, My Times, My Game: "Uma vez eu ouvi dizer que para escrever uma canção de amor, você tem que ter passado por maus momentos. Para escrever uma canção de amor, você tem que ter tido seu coração partido. Se esse é o caso, eu posso afirmar aqui e agora que eu seria capaz de escrever as maiores cançōes do mundo".

Wow, pesado. Aos que ainda estão se perguntando, ele não estava falando de nenhuma ex-namorada, tava falando de uma coisa muito mais tensa: Racismo. Assim como Russell e Elgin, Oscar foi uma das primeiras grandes estrelas negras do basquete. Assim como Russell e Elgin, seu físico e sua capacidade atlética (junto ao seu enorme talento) elevaram ele acima dos demais jogadores da época de forma impressionante. E assim com Russell e Elgin, Oscar teve que lidar com uma situação muito difícil de brilhar em um esporte (na época) de brancos, em uma Liga branca de jogadores brancos. Desde o colegial, Oscar era uma grande estrela do jogo e um dos melhores jogadores do mundo, um jogador fenomenal que enchia ginásios mesmo antes de se formar no colégio. No entanto, fora do jogo de basquete, ele era mais um negro vivendo num mundo de brancos, constantemente desprezado e tratado como se sequer fosse um ser humano. Quando seu time da Universidade foi jogar no Texas, seu time foi para o hotel onde iam ficar, mas ele tinha um enorme aviso "Proibido negros" fixado na porta. Seu time ainda ficou no hotel, mas Oscar não pode entrar e foi obrigado a dormir sozinho numa velha estação de ônibus. Oscar frequentemente não podia comer no mesmo restaurante dos seus companheiros porque não serviam negros. Na esquina do ginásio da sua universidade, que enchia semanalmente pra ver Oscar jogar, tinha um cinema que separava as filas entre "brancos" e "coloridos" onde ele nem podia assistir normalmente um filme. Quando Oscar foi jogar em Dallas, torcedores colocaram um gato preto no seu quarto antes dele chegar. Quando ele foi jogar em North Carolina, entregaram pra ele uma carta do Grande Dragão da Ku Klux Klan dizendo "Nunca venha para o Sul". Mesmo na Universidade de Cincinatti, onde ele era o grande astro, ele era tratado com alguem inferior. Professores saiam do seu plano de aula pra fazer Oscar se sentir burro e falar de como ele errava as coisas. E raramente alguém saia em sua defesa, mesmo seus companheiros. Essas são apenas algumas das histórias pelas quais Oscar teve que passar... E ele não tinha sequer terminado a universidade!!

Claro que indo pra NBA, as coisas não mudaram. O racismo continuou diaramente na vida de Oscar, da mesma forma que na de Elgin e Russell. Mas elas marcaram Oscar muito mais do que Russell (Elgin é um caso a parte que vai ser devidamente contado quando fizermos a parte II do nosso Especial) por dois motivos: Primeiro, porque Russell e Oscar lidavam com isso de formas diferentes. Russell era competitivo demais, e canalizava todas as hostilidades para seu jogo, para destruir seu oponente e fazer o que ele mais gostava, vencer. Russell sempre se importou de menos com o que os outros pensavam e demais com o seu time e com a vitória, e isso de certa forma o ajudava a canalizar todo o ódio que recebia pra fora dele. E segundo e mais importante, Russell teve Red Auerbach, um visionário muito à frente do seu tempo (e, vale citar, judeu) que sabia perfeitamente pelo que Russell passava e iria passar e sabia como montar um ambiente ideal para uma superestrela negra. Russell jogava cercado de mais jogadores negros do que em qualquer outro time (Satch Sanders, KC Jones e Sam Jones, pra citar três) e Red sempre tomou conta dele para que esse ódio que ele recebia não se materializasse. Não é como se faltassem histórias para Russell (como quando ele se mudou pra Boston e comprou uma casa em uma região de brancos. Seus vizinhos invadiram a casa, quebraram tudo e defecaram na sua cama) ou como se elas nunca tivessem afetado o pivô (quando entrou na Liga, Russell era um pouco nervoso com essas historias sim), mas a questão é que a forma como ele lidava com isso e a forma como Auerbach o protegia (e sim, a forma como seu time - jogadores brancos ou negros - sempre o respeitaram e idolatraram) conseguiram escudá-lo de tudo isso.

Oscar não teve essa sorte. Ele viveu experiências que nós, 60 anos depois, não conseguimos nem imaginar. Vai muito além de simples humilhação - ele sequer era tratado como um ser humano. Como você explica pra um jogador que toda noite enche ginásios que ele sequer pode estar na mesma sala que todas aquelas pessoas em outras circunstâncias sem elas levantarem e sairem de perto de voce? E Oscar, que nunca foi como Russell e nunca teve Red Auerbach, acabou guardando tudo isso dentro dele. Todo esse ódio que ele teve que aguentar acabou sendo engolido por Oscar como um veneno, e isso lentamente foi destruindo a pessoa que ele era. Ver fotos do Oscar dos tempos de colegial lembra muito o Magic Johnson: Um sorriso enorme, alguém que genuinamente se divertia jogando, que gostava de impressionar e deixar todo mundo feliz. Conforme o tempo foi passando e Oscar foi tendo mais e mais contato com o que há de pior na natureza humana, ele foi mudando, seu jogo foi perdendo a alegria, Oscar foi se isolando cada vez mais do mundo interior e virando uma pessoa extremamente amarga. Mesmo quando chegou a NBA e destruiu tudo e todos no seu caminho, ele não conseguia mais jogar como o velho Oscar, feliz e despreocupado. Ele era um atleta extremamente talentoso e habilidoso, fisicamente superior a todos os armadores (mesmo quando mais tarde mais atletas negros entraram na Liga, apenas três ou quatro podiam enfrentá-lo fisicamente) e que teve um triple-double de média em 1962 (vale lembrar, a temporada estatisticamente mais inflacionada da história da NBA, embora valha lembrar que na época estatísticas tinham um critério bem mais rígido e era bem mais dificil chegar a 10) e um triple double de média quando juntamos suas CINCO primeiras temporadas, mas que ninguém realmente conseguia conectar com ele, fãs, outros jogadores... Oscar acabou canalizando boa parte da angustia que ele tanto guardava pra todo mundo ao redor dele, fãs, mídia, colegas de time, técnicos e etc, todo mundo que não conseguia compreendê-lo, acompanhá-lo ou simplesmente fazer como ele gostava. Todo mundo respeitava Oscar, mas ninguém realmente gostava dele. Em outras palavras, Oscar virou um pentelho, perfeccionista e impossível de se conviver, que acabava com os companheiros de time menos talentosos, motivo pelo qual ele foi mandado pro Bucks sem muita cerimônia mais tarde. Mas Oscar tem uma desculpa legítima: Se qualquer jogador da NBA (Jordan, Magic, Lebron, pode escolher) tivesse lidado com tudo que Oscar lidou nos anos 50 e 60, eu duvido que teria tido uma carreira tão boa e bem sucedida. No fundo, Oscar foi uma vítima da sua era.

(Importante demais pra deixar de fora - Em termos de basquete, Oscar e o Royals tiveram uma dose dupla de azar e uma dose de incompetência da NBA que tiveram um impacto negativo forte no que o time foi capaz de alcançar. Primeiro, Oscar e o Royals tiveram seu auge em uma época onde NINGUEM estava encostando no Celtics de Russell [62-66], time que cansou de vencê-los nas Finais do Leste. Mas, em segundo lugar, possivelmente isso só aconteceu porque em 63 a NBA expandiu para Baltimore e de alguma forma acharam que fazia sentido o Royals se mudar pro Leste, ao invés de colocar logo Baltimore lá e deixar o Royals no Oeste. Olhe um mapa dos EUA e tente entender como isso faz sentido. O resultado foi que o Royals passou seu auge enfrentando o Celtics - e depois o Sixers de Wilt - nos playoffs de conferência e perdendo, enquanto que se eles nunca tivessem ido para o Leste provavelmente teriam chegado em diversas finais entre 63 e 67, e até tinham muito mais chance de terem roubado um título lá. E terceiro, por causa dos problemas de saúde de Maurice Strokes, astro do time no ano anterior à chegada de Oscar. Um ala de força negro, jovem, forte e que tinha médias como 17-18 teria sido o melhor parceiro para Oscar, e juntando ele e Oscar nesse time do Royals é muito capaz que Cincinatti teria sido capaz de mudar o cenário da NBA como o conheciamos. Mas infelizmente Strokes sofreu encefalite por uma série de eventos infelizes - bateu a cabeça muito forte em um jogo sofrendo um trauma cerebral, que não foi diagnosticado. Ele viajou de avião pra jogar com o Royals, bateu a cabeça de novo, viajou de novo de avião antes de desmaiar e ser diagnosticado, quando já era tarde demais e o dano já era permanente e irreversível. Strokes passou o resto da sua curta vida numa cadeira de rodas, numa das minhas historias favoritas da NBA: Quem acolheu Strokes quando isso aconteceu foi seu companheiro de time Jack Twyman, que com sua familia trouxe Strokes pra morar com ele, juntou dinheiro para pagar suas dividas e cuidou do amigo até sua morte. Lembre-se que estamos num momento de grande racismo nos EUA e que Twyman era branco e Strokes negro, e que naquela época jogadores medianos na NBA como Twyman ganhavam pouco dinheiro, e você talvez entenda o peso disso na época).

West, por outro lado, nunca teve que lidar com nada disso. Pelo contrário, West acabou virando um ícone da NBA, um Superstar branco, bem comportado, sem problemas fora de quadra e adorado pelos outros jogadores. West não era fisicamente superior aos demais jogadores como Oscar, Elgin ou Russell, não conseguia jogar acima do aro, mas seu jogo era, não tem outra palavra, perfeito - seu arremesso era perfeito, seu drible era perfeito, sua tecnica defensiva era perfeita, cada movimento era absolutamente preciso. Seu jogo era tão sistemático e perfeito que, vendo videos dele jogando, posso dizer com absoluta certeza que se West jogasse hoje na NBA, ele seria um All-Star. A NBA acabou vendo em West a chance de passar a imagem de que um branco podia dar tão certo na Liga como os negros, algo importante na época para uma Liga que começava a ter a imagem de ser dominada por negros.

Além disso, West era o oposto de Oscar na relação com os outros jogadores. Todo mundo - companheiros e adversários - respeitava Oscar, mas ninguém realmente gostava dele, e ele não fazia questão de ser gostado. Mas West? Todo mundo na Liga adorava West, tanto como jogador como como pessoa, um competidor do mais alto grau, extremamente habilidoso, que jogava para o time, um líder como nenhum outro na época tirando Russell, que fazia todos seus companheiros melhores e se preocupava sempre com a vitória e com seu time. Adequadamente ou ironicamente, como preferir, o maior fã de West não era outro senão Bill Russell. Quando West teve média de quase 40-10 nas Finais de 69, mas seu Lakers ainda perdeu para o Celtics num dramático jogo 7 em casa, a primeira coisa que os três principais jogadores do Celtics (Russell, Sam Jones e John Havlicek) foram fazer antes de ir pro vestiário comemorar foi abraçar West, quase como se pedissem desculpas por estragar o que deveria ter sido o primeiro título dele. Hondo até disse, naquele momento, que "Você merece um título mais que qualquer outro a algum dia jogar esse". Quando o Lakers fez a Jerry West Night alguns anos depois, Russell pagou seu próprio ingresso pra entrar e fez um discurso muito comovente para o Logo, dizendo que ele era "em qualquer sentido da palavra, um verdadeiro campeão". Alem disso, ele foi escolhido pra ser o Logo da NBA!! Todo mundo adorava West, ele foi provavelmente o jogador mais amado da NBA pré-Merger... Mas ele nunca teve que lidar com o que Oscar lidou. Por isso ele pode ser ele mesmo durante sua carreira. No final, ele e Oscar foram definidos por coisas além do seu controle - no caso, que West era branco e Oscar era negro.

Mas West acabou me gerando um certo problema aqui, com a ajuda da 2K Sports. Porque dar ao West o Lakers de 1971? Não faz sentido. Eu falei no último post que dar ao Wilt o Lakers de 72 era uma ideia idiota porque deveria ter sido de West, e Wilt deveria ter ficado com o Sixers de 67, o auge de sua rivalidade com Russell. Como Wilt ficou com o Lakers de 72 - um time que não poderia ficar de fora - era de se imaginar que isso tinha acontecido porque West já estava "ocupado" com outro time mais icônico... Mas não foi o que aconteceu de forma alguma. Como jogador, West atingiu seu auge duas vezes, em 66 e depois em 1970 (quando deveria ter sido MVP). Como líder de time, o auge de West foi entre 65 e 68, quando sozinho levou o Lakers nas costas por tantos anos pau a pau com o Celtics depois que Elgin estourou o joelho e nunca mais foi o mesmo. Como Alpha Dog, o auge de West foi em 69, 70 e 72. E seus melhores times foram em 69 (Elgin e Wilt) e 72. Seus dois momentos mais icônicos aconteceram em 69 (MVP das Finais mesmo perdendo) e 1970 (já falaremos disso). Em 1971, West ficou no top3 em assistências, mas batalhou com lesōes o ano todo e perdeu boa parte dos playoffs, onde o Lakers pouco fez. Mas o time de West é o Lakers de 71... Por que? Não faz sentido. Por isso, vamos ignorar que o Lakers é de 1971 e fingir que deram ao West o de 1970, que faz mil vezes mais sentido mesmo sendo uma temporada pela qual West nunca recebeu o devido crédito. E já vamos ver porquê.

Em 1970, o Lakers não passava por um bom momento. A derrota para o Celtics nas Finais de 69 (Perdendo um jogo 7 em casa com Wilt mofando no banco depois do dono do Lakers ter enfeitado o ginásio com coisas para comemorar o título, o que emputeceu West) foi extremamente traumática, Wilt estava passando por mais uma das suas fases de ficar mudando constantemente seus objetivos e se colocando na frente do time (Wilt só escutou um companheiro de time na sua carreira - West),  e Elgin Baylor estava envelhecendo rapidamente graças àquela lesão no joelho de 1965. Além disso, o Lakers viu Wilt estourar o joelho no começo da temporada e perder o resto da temporada regular (70 jogos), e Elgin Baylor e Happy Hairston perderam 55 jogos juntos. Em outras palavras, West perdeu seus três melhores companheiros pela maior parte da temporada regular, e o resto do time era uma belíssima droga (o melhor companheiro de West por boa parte da temporada? Mel Counts. Yikes!). Pra piorar, apesar do Celtics ter ido pro buraco com as saídas de Jones e Russell, um novo Juggernault surgia no Leste, o Knicks de Willis Reed, não só um excelente time como também um time que jogava muito bonito e muito bem, o que chamou toda a atenção da mídia e dos fãs pra longe de Los Angeles. Some tudo isso e, após as lesōes de Wilt, Bailor e Hairston, todo mundo estava contando o Lakers como praticamente fora da temporada.

Mas foi ai que alguma coisa ligou dentro de West. Talvez tenha sido a derrota pro Celtics no ano anterior (traumatica especialmente para West, que foi o melhor jogador da série e teve uma performance "HOLY SMOKES!" no Jogo 1 com um 55-10. What the f...??), ou mais provavelmente tenha sido um grande jogador muito competitivo simplesmente percebendo que ele estava sozinho e sem ajuda, e que se não fosse ele fazendo tudo, o time não ia a lugar nenhum (mais ou menos como aconteceu em 1965, quando Baylor estourou o joelho, West surtou e levou o Lakers à final sozinho). West percebeu o perigo e elevou seu jogo mais um patamar: Ele acabou o ano com 31-5-8, liderou a Liga em pontos e ficou em terceiro em assistências, chutou 50% em FG e foi ao primeiro time All-Defense da NBA, levou o Lakers a 46 vitórias mesmo passando boa parte do ano jogando com um time de Counts, Dick Garrett, Keith Erickson e Rick Robertson (e depois era Wilt que não tinha ajuda em Philly. Holy hell!). West  levou nas costas esse time sendo seu ball handler (mesmo sendo SG, o time simplesmente não tinha mais ninguém), principal pontuador, melhor defensor, líder emocional e por exemplo, e crunch time scorer. Ninguém fez mais pelo seu time que West naquela temporada, lembrando que apenas 4 times de cada conferência iam aos playoffs. 

Porque ninguém lembra mais dessa temporada de West, provavelmente a melhor Pre-Merger de um não-pivô junto com o triple double de Oscar em 1962? Porque todo mundo tava ocupado demais prestando atenção ao Knicks, um time extremamente divertido. Willis Reed acabou ganhando (leia-se: roubando) o MVP de West mesmo jogando num time onde seja impossível dizer quem era mais valioso no time entre ele (22-14 e defesa de garrafão) e Walt Frazier (21-6-8 e defender o melhor jogador de perímetro) num time que ainda tinha Dave DeBusschere. West fez mais do que os dois individualmente, jogou sozinho a temporada inteira e significou muito mais pro seu time. Só que o Knicks era um time melhor e mais interessante, todo mundo só tinha olhos pra eles, e acabaram votando  em um jogador do time que todo mundo interessava. E assim West foi assaltado a mão armada.


Uma semana depois, Wilt voltou para os playoffs, o Lakers ganhou uma série sofrida dos fortes Suns, varreu os Hawks de Walt Bellamy e, adequadamente, foi para a Final contra o Knicks. E apesar do Knicks ser o franco favorito e ter um time muito melhor (especialmente com Wilt e Elgin muito baleados ainda), West e o Lakers levaram a série a sete jogos depois que Willis Reed machucou no Jogo 6, em uma série que envolveu dois dos momentos mais famosos da história da NBA: O buzzer beater de trás do meio da quadra de West pra mandar o jogo 3 pra prorrogação, e Willis Reed saindo do tunel mesmo com o músculo da perna rompido pra jogar o Jogo 7, acertando dois arremessos e trazendo o MSG abaixo. Mesmo com um time bem pior, West e o Lakers quase roubaram aquelas Finais fora de casa. Não fosse uma combinação de três coisas no Jogo 7 - Willis entrando em quadra, levando o MSG ao delírio e empurrando todo o time; Frazier jogando um dos melhores jogos de todos os tempos (36 pontos, 19 assistências, 7 rebotes e 5 roubos, engolindo West); e Wilt jogando um jogo extremamente passivo sem nunca pensar "Ei, tem um cara com uma perna me marcando, eu devia partir pra cima dele!", o Lakers provavelmente teria roubado esse título do Knicks. Abaixo, os dois lances citados.

(Detalhe sobre o vídeo: Repare que quem faz a cesta do Knicks é Dave DeBusschere. Quando West arremessa e faz a cesta, de alguma forma, Dave já estava embaixo dela. Ninguém jogava com mais energia e raça que Dave DeBusschere em 1970)





Mas uma outra coisa importante aconteceu em 1970: A chegada na NBA do então Lew Alcindor, mais tarde Kareem Abdul-Jabaar. Apesar do Bucks não ter sido uma ameaça em 1970, Kareem se estabeleceu na NBA como o próximo grande pivô da Liga a ponto do Bucks ir atrás de um armador veterano pra colocar junto do seu pivô pra tentar conquistar o título da NBA. O time já tinha uma excelente base, mas precisava de um veterano pra armação (Lucius Allen foi o "armador" de Kareem em 1975... Mas ele era tão incompetente que o lider em assistencias do Bucks naquele ano foi Kareem com 3,4 por jogo. So there!) e pra controlar o ritmo do jogo nos momentos decisivos. E com o Royals ansioso pra se livrar de Oscar por tudo que já foi dito lá em cima, o Bucks aproveitou e pegou ele por pouca coisa.

E como eu já disse, o Bucks liberou o inferno com a definitiva temporada Keyser Soze pré-Merger em 1971: Com Kareem perto do seu auge carregando o piano ofensivamente (35-17-5 com 57% de arremessos), Oscar Robertson (um pooouco passado do seu auge) controlando o ritmo do jogo (dois dos 10 ou 15 melhores jogadores de todos os tempos juntos) e Bobby Dandridge costurando defesas e mudando o ritmo do jogo, o resto do time se encaixou em volta disso. Os números respaldam essa afirmação: O time teve duas das maiores sequencias de vitórias da história da NBA na mesma temporada (20, depois 16 jogos), liderou a Liga em todas as categorias relevantes e terminou a temporada com a terceira maior diferença de pontos da história da NBA (12.2), perdeu apenas duas partidas em casa na temporada inteira, incluindo playoffs (segunda melhor marca de todos os tempos atrás do Celtics de 86'). Ganharam 66 jogos na temporada regular e só não chegaram a 70 porque garantiram a 1st seed cedo demais e se entediaram. Nos playoffs, o Bucks conseguiu melhorar ainda mais: Perdeu apenas dois jogos nos playoffs inteiros, ganhou os 8 jogos que fez em casa, ganhou 11 jogos por dois digitos, e estabeleceu o recorde da história dos playoffs pra point diferential (14.2). Eles varreram as Finais com todos os jogos por 8 pontos ou mais. Agora, meus amigos, essa é uma temporada Keyser Soze definitiva: Por nove meses, ninguém encostou nesse Bucks. Eles jogaram não só pra ganhar, mas pra destruiur, e o fizeram por cima da Liga inteira. Tirando um certo time, eles terminaram 12-4 na temporada regular contra times que venceram 48 jogos ou mais. E é isso que eu quero do meu time definitivo Keyser Soze. Nem o Knicks 70 nem o Lakers de 72, ninguém foi tão invencível do começo ao fim da temporada como o Bucks de 71'.

No papel, o Bucks de 71' teve uma temporada transcendental em todos os aspectos até para os dias de hoje. No entanto, precisamos tomar isso com um grão de sal por alguns motivos: Primeiro, a Liga expandiu em 1969/70, então a Liga estava passando por um período de diluição dos times, beneficiando um time que tinha Kareem e Oscar (e qualquer outro time com duas estrelas como Wilt/West, Reed/Frazier, etc). Além disso, a Liga tinha melhorado bastante em relação à era Russell/Elgin, mas ainda era um pouco branca e lenta demais, principalmente por causa da concorrência da ABA, que tirava da Liga boa parte do talento mais jovem e explosivo. Segundo, o Bucks daquele ano teve alguma sorte: Elgin e West machucaram nos playoffs, o Celtics ainda estava na transição entre a era Russell e a era Hondo/Dave Cowens e não era ameaça ainda. E terceiro e mais importante, o time que terminou o ano 4-1 contra o Bucks, os atuais campeōes Knicks e um matchup PESSIMO pro Bucks perderam na Final da Conferência e não enfrentaram o Bucks nos finais - ao invés disso, eles enfrentaram um Bullets de 42 vitórias sem Gus Johnson, machucado. Então essa temporada não foi tão dominante quanto pareceu no papel, por conta de uma questão de timing e sorte. Mesmo assim, nenhum time pré-77 teve o nível de dominância e de "Ninguém está encostando nesses caras esse ano!!" que esse Bucks teve. Quando você tem Kareem perto do seu auge e Oscar é seu SEGUNDO melhor jogador, você provavelmente tem alguma coisa especial. E esse time tinha.

Dois últimos pensamentos sobre Oscar e West. Primeiro, um dos pontos fundamentais dessa série é o que eu sempre bato na tecla: Com o passar do tempo, o que acaba ficando mais evidente de jogadores antigos são os números e registros físicos, como MVPs e All-NBAs/All-Stars, e isso acaba levando a alguns absurdos como gente achando que Wilt vs Russell é uma discussão. A era Pre-Merger, de longe, é a que mais precisa ser levada em consideração nesses aspectos. A Liga era branca, baixa e pouco atlética demais, então jogadores mais atléticos como Oscar e Wilt tinham uma grande vantagem sobre os demais jogadores. Além disso, era uma época de grande inflação estatística: O jogo era rapido demais, não tinha linha de três e praticamente todo mundo vivia de arremessos, cada time arremessava cerca de 110 vezes por jogo e cada time pegava uns 40 rebotes a mais do que hoje em dia. Nesse contexto, por exemplo, que faz sentido Wilt marcar 50 pontos (especialmente arremessando 42 bolas) e pegar 22 rebotes, ou Oscar pegar um triple double. Nesse contexto, a nossa percepção desses jogadores acaba sendo maior do que devia (embora preciso dizer sobre Oscar, 10 assistencias por jogo na época era coisa pra caramba, o critério era mil vezes mais rígido na época, se não me engano só Bob Cousy, Oscar e West chegaram a 10 apg numa temporada na época). No entanto, se tem um jogador que acabou prejudicado por essa conjuntura, foi West. West foi prejudicado por três coisas: Primeiro, pela falta de uma linha de três pontos. West foi um dos grandes arremessadores de sua geração, mas passou boa parte da carreira chutando de três mas que só valiam dois. Segundo, que não contabilizavam roubos durante grande parte da sua carreira. West foi um dos melhores defensores e maiores ladrōes de bola da sua geração, mas nunca contabilizaram isso até o final da sua carreira, onde ele já tinha passado consideravelmente do seu auge e ainda tinha media de quase 3 roubos por jogo. E quarto, só criaram All-Defense Teams em 1969, e West foi do primeiro time All Defense nos quatro anos antes de aposentar. Imagine como ficaria a carreira do West historicamente se ele tivesse acertando três ou quatro bolas de três por jogo, chutando 40% de longe, totalizando cinco roubos por jogo no seu auge e feito nove All Defense Teams ao invés de quatro? Historicamente, ele teria um resumo ainda mais impressionante, mas acabou prejudicado pela falta dessas três coisas.

Pra terminar, tem algum jogador que teve mais sucesso dentro E fora das quadras do que Jerry West? West e Oscar foram, por qualquer cálculo, os dois melhores guards pré-Merger, e eu já passei um texto inteiro e enorme falando disso. Mas West também foi responsável por montar duas das maiores dinastias prós-Merger: O Lakers dos anos 80 e o dos anos 2000. West foi o GM que trouxe Kareem  em 77' quando ele pediu pra sair de Milwaukee, trocou Gail Goodrich pra New Orleans e recebeu em troca a escolha que acabou sendo a 1st Pick de 1980 (Magic), e futuramente escolheu James Worthy no Draft, montando um time que foi campeão cinco vezes em nove anos e chegou a mais quatro finais entre 1980 e 1991. Depois, ele trouxe Shaq de Orlando e trocou Vlade Divac pelos diretos de Kobe  Bryant, montando o time que foi tricampeão entre 2000 e 2002. Acreditem quando eu digo que o Logo entendia muito de basquete. West acabou rendendo ao Lakers, no total, 11 aneis contando. Me acordem de novo quando alguém for um dos melhores jogadores da história E montar duas das maiores dinastias da história da NBA em uma vida.

5 comentários:

  1. É impossível não perceber como o livro do Bill Simmons (que eu realmente comprei) influencia seu texto.
    Isso não é uma reclamação, rs.
    Parabéns pelo post, gostei muito!

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    1. Nao só o livro, leio as colunas dele desde sempre e o estilo dele influenciou demais o meu. E ele e eu temos um ídolo em comum no quesito (Bob Ryan, que alias aposentou essa semana) também, o que ajuda.

      Mas o trabalho dele no livro é excelente, a pesquisa dele é extremamente bem feita e completa, e realmente vale a pena beber dessa fonte hehe

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  2. Mais uma vez, ótimo texto, sempre que entro aqui descubro coisas maravilhosas sobre a história da NBA, muito obrigado por se esforçar tanto pra pesquisar e escrevê-los!!!

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  3. Muito bom,obrigado por ensinar ainda mais sobre as historias de lendas como West e Big O,parabéns!!

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